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April 7, 2025 11:00 AM

Quantitative Easing e a importância da independência administrativa do BCE

A independência dos bancos centrais é um tema amplamente discutido na ciência económica e consiste na autonomia da instituição emissora de moeda em tomar decisões e cumprir o mandato sem interferências do governo. Ou seja, um banco central independente é aquele que toma decisões estratégicas com foco em temas como crescimento económico ou estabilidade de preços, tendo em vista a situação económica do país ou região e não as aspirações políticas dos líderes de governo.

Desse modo, é muito importante que haja fatores institucionais que protejam os bancos centrais, tais como: mandatos longos e não renováveis, orçamento próprio e nomeação do presidente do banco central não coincidentes com a dos chefes de governo. Esta soma de fatores institucionais que promovem a autonomia dos decisores de política monetária são essenciais, posto que há uma correlação negativa empiricamente (testada por académicos e organismos como o Fundo Monetário Internacional) entre independência dos bancos centrais e inflação.

Portanto, os bancos centrais mais autónomos apresentam mais sucesso em combater a inflação e cedem menos às pressões políticas de aumento do produto. Em termos económicos, bancos centrais menos independentes costumam apresentar um maior peso na componente de crescimento do produto na Regra de Taylor, enquanto que outros (ex: BCE) primam quase que exclusivamente pela inflação.

No caso da Europa, a crise económica proveniente da crise das dívidas soberanas fez com que o Banco Central Europeu adotasse uma política monetária muito expansiva, de modo a combater a inflação quase nula e as taxas de juros quase negativas, ou seja, uma situação de armadilha de liquidez em que as políticas monetárias convencionais perdem força.

“(…) os bancos centrais mais autónomos apresentam mais sucesso em combater a inflação”

Desse modo, o Presidente do BCE à época, Mario Draghi, implementou a política heterodoxa de Quantitative Easing em 2015 (para além do qualitative easing, forward guidance e redução do coeficiente de reserva mínimo) à semelhança dos EUA pós-crise de 2008. Draghi sustentava que as expectativas de inflação estavam ancoradas em 1% e que era necessário instigar a economia de modo a trazer a inflação para a meta dos 2%. Portanto, a estratégia adotada (Quantitative Easing) consistia em comprar obrigações (em sua maioria) dos Estados no mercado secundário de modo a injetar liquidez na economia, o que gerou uma inflação artificial de ativos financeiros, o que podia gerar massivas bolhas financeiras, além de outros problemas, como o Efeito Cantillon e a distorção no sistema de preços.

Assim, o programa de compra de ativos (APP) somou uma quantia de mais de 3 biliões de euros e durou mais de 5 anos, ganhando outra vez força na época da pandemia, através do Pandemic Emergency Purchase Program (PEPP) entre 2020 e 2022. Desta feita, a inflação e a taxa de juro diretora na Zona Euro voltaram a crescer em 2022 com o início da guerra da Ucrânia e da inflação por via dos custos e crise da oferta.

Em termos de independência do BCE, a política de Quantitative Easing gerou muito ceticismo e foi criticada sobretudo pela Alemanha, de tal modo que foi alegado que a política feria o Artigo 130° do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), responsável por tipificar o princípio da autonomia de decisão do BCE. Nesse contexto, o Tribunal Constitucional Alemão alegou, em 2015, que o Quantitative Easing violava o artigo 130° do TFUE porque financiava os governos através da compra massiva de obrigações, o que violaria diretamente o artigo 123° do TFUE que proíbe o financiamento direto dos Governos pelo BCE, o que é considerado uma transgressão clara do princípio da autonomia. Contudo, o Tribunal de Justiça da União Europeia afirmou que não houve ilegalidade e que as compras foram realizadas no mercado secundário, e não primário.

“(…) a política de Quantitative Easing gerou muito ceticismo e foi criticada sobretudo pela Alemanha”

Portanto, a reflexão que resta é: apesar de a política de Quantitative Easing ter sido feita à margem da legalidade, é imperativo que a autonomia dos bancos centrais (inclusive os mais sólidos) seja sempre garantida e salvaguardada, de modo a proteger a estabilidade de preços e qualidade de vida financeira dos cidadãos europeus. Além disso, é importante o desenvolvimento de mecanismos heterodoxos para tempos de crises financeiras e monetárias como as de 2008 e 2011 e também para tempos de ameaças à independência das autoridades monetárias, como o caso de Donald Trump e a influência sobre o Federal Reserve.

Autor: Eduardo Beltrão - Business Developer nBanks

Crédito da imagem: Unsplash